quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O preconceito impede que nossos olhos vejam o real.

O ARTIGO, abaixo reproduzido e, extraído do site http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=3102 demonstra o quanto a sociedade brasileira ainda precisa ser conscientizada da necessidade de se responsabilizar o Estado Brasileiro pelos danos que pratica, pois até mesmo quando este mesmo Estado reconhece os seus próprios erros e se responsabiliza por eles a opinião pública, incentivada pela própria imprensa perseguida no então regime de exceção ajuda a formar opinião antidemocrática com a argumentação de que se está causando dano ao erário público numa total inversão de valores.

Os valores pagos pela reparação de danos aos Anistiados políticos jamais serão suficientes para reparar o sofrimento que passaram, mas que nós, com nosso olhar míope, sem a devida capadidade de julgamento, sem o mínimo sentimento humano de nos colocarmos nos lugares destes perseguidos políticos para aquilatarmos o tamanho do prejuízo e daí sim encontrar, não o conhecimento, mas a sabedoria de que é o mínimo que o Estado está fazendo na busca de apaziguar esse sofrimento todo.

O preconceito impede que nossos olhos vejam o real.



Indenização a jornalistas mostra que anistia ainda gera polêmica



Priscila Lobregatte - Vermelho
09.04.2008

A anistia política não é assunto novo no Brasil, mas ainda hoje suscita reações que parecem ignorar a nova realidade democrática que o país vive desde o fim da ditadura militar e que ganhou novo fôlego com a chegada de Lula ao poder. A cada indenização concedida a perseguidos políticos pela Comissão de Anistia, vêm à tona comentários – em especial na “grande” mídia – que demonstram o quão conservadoras ainda são suas linhas editoriais e certos setores da sociedade. Rio de Janeiro - O mote é sempre o mesmo: os valores seriam altos demais. Com base nisso, chamam tal concessão de “bolsa-ditadura”, como se fosse um presente dado a meia dúzia de privilegiados. Ignoram, no entanto, ao menos dois fatos: o de que a anistia é o pedido de perdão do Estado aos que se viram injustiçados pelas ações arbitrárias do período de exceção – ou seja, os anistiados foram vítimas – e o de que as indenizações partem de cálculos que levam em consideração o salário em vigência de acordo com a profissão do anistiando. Na última sessão da Comissão de Anistia, realizada na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) – em homenagem aos 100 anos da entidade – foram julgados 20 casos de jornalistas perseguidos, todos deferidos. Os valores das prestações mensais, permanentes e continuadas ficaram, em sua maioria (16), no valor de R$ 4.375,88. Dois tiveram o valor estipulado em R$ 3.281,90, um no valor de R$ 4.592,70 e outro em R$ 4.581,97. Há três anos não se julgava casos de jornalistas. Uma das razões seria a indenização paga a Carlos Heitor Cony, que na época recebeu pensão vitalícia de R$ 23 mil mensais. “Decidimos retomar estes julgamentos com a disposição de enfrentar as críticas que forem necessárias, com apoio do ministro Tarso Genro, pois não pode o fato isolado de uma indenização de jornalista concedida em patamares elevados acabar por implicar em prejuízo a todos os demais que aguardam sua anistia”, enfatizou Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia, na abertura do julgamento.Ele disse ainda que “ao contrário do que muitos acreditam, o dado concreto é que a média das indenizações a título de prestações mensais na Comissão é de R$ 3.758, 60. Altas indenizações sempre foram fatos muito isolados no universo de 37 mil processos já apreciados, mas são os que acabam tomando as páginas dos jornais, muitas vezes de forma pejorativa, nomeando ‘bolsa-ditadura’ aquilo que é um direito instituído democraticamente”. Como se calcula a indenizaçãoPara se chegar ao valor da indenização, os conselheiros levam em conta o piso salarial da categoria do anistiado e fazem uma projeção da evolução profissional que poderia ter alcançado se não tivesse sido prejudicado pela ditadura. No caso de Ziraldo Alves Pinto, um dos de maior repercussão pela notoriedade do anistiado e pelo retroativo alcançado, buscou-se o piso da categoria publicado no sítio da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). Como forma de não prejudicar o requerente, foi adotado o maior piso da região de atuação de Ziraldo – no caso, o estado de São Paulo, que encabeça o sudeste no que diz respeito ao salário da categoria. Dobrou-se o valor-base (R$ 1.750,35) uma vez que o piso é pago, em geral, apenas aos jornalistas iniciantes, condição na qual Ziraldo já não estava quando perseguido pelos militares. Assim, tem-se o total de R$ 3.500,70. Sobre este valor, foi dado mais 25% como forma de contemplar a progressão profissional, chegando-se à mensalidade de R$ 4.375,88. A tal “indenização milionária” nada mais é do que o cálculo do retroativo. Ou seja, como Ziraldo entrou com seu processo na Comissão em 1995, por lei retroage-se cinco anos, chegando-se a 1990. O cálculo foi feito com base nos 18 anos que separam aquela data do ano do julgamento, 2008. Por ano, são considerados 13 salários que, multiplicados por 18, totalizam 234 salários. Daí o valor de referência de R$ 1.000.253,24, anunciado pela Comissão. O valor exato será calculado pela assessoria jurídica do órgão a fim de corrigir erros.“É preciso que fique bem claro que o trabalho da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, bem como suas decisões, é definido por uma lei aprovada pelo Congresso Nacional. Portanto, tudo que nós estamos fazendo está legalmente amparado pela lei”, disse Egmar José de Oliveira, um dos conselheiros e relator do requerimento de Ziraldo.Ele explica que a lei prevê que todo aquele que foi demitido ou impedido de exercer sua atividade profissional por motivos políticos tem direito a uma prestação mensal, cujo valor é o correspondente ao salário que ganharia se naquela atividade estivesse no dia do julgamento do seu processo. Questionado sobre os tipos diferentes de perseguição – do simples fichamento em órgãos de repressão até a tortura e o assassinato dos perseguidos – que poderiam gerar indenizações de acordo com cada caso, o conselheiro considera que “todo tipo de violência praticado pelo Estado é gravíssimo, posto que é sua obrigação dar proteção aos cidadãos e, sobretudo, garantir a integridade física daqueles que estão sob sua guarda, como no caso dos presos políticos”. No entanto, Oliveira critica: “o que a lei deveria prever – e não o fez – é permitir aos conselheiros fazer uma ‘dosimetria’ entre os prejuízos sofridos e a partir daí fixar o valor a ser indenizado, ou ainda estabelecer um teto. Isso seria, ao meu juízo, o mais justo”.Humor reprimidoAos 75 anos, Ziraldo é um cartunista bem sucedido e respeitado. Porém, nos anos de chumbo, embora não tenha sido torturado, foi perseguido, preso e por vezes ficou desempregado. Logo após o golpe de 1964, foi trabalhar na publicação Pif-Paf, de Millôr Fernandes, junto com nomes como Cláudios, Fortuna e Jaguar, este também anistiado e indenizado na última sessão da Comissão, com o valor de R$ 1.000.253,24. Após a publicação de apenas oito números, o referido semanário foi apreendido por ordens militares.Em 1967, lançou um suplemento de humor no Jornal dos Sports, chamado Cartum J.S. Na mesma época, também trabalhava no jornal O Sol. Em dezembro do mesmo ano, ambas as publicações foram fechadas por motivos não esclarecidos. Mais uma vez, Ziraldo ficava sem trabalho. Foi aí que Mário de Moraes, na época editor da revista O Cruzeiro, decidiu aproveitar os cartunistas do suplemento, fundando uma espécie de encarte, criado por Ziraldo, intitulado O Centavo. Em meados de 1968, as duas colaborações que prestava foram suspensas pela direção.Além de prejudicado no âmbito profissional, Ziraldo foi preso três vezes. A primeira delas em dezembro de 1968, quando passou 20 dias na Fortaleza de Copacabana. Pouco mais de um mês após sua libertação, em 1969, foi detido pela segunda vez por quase um mês, passando depois à condição de preso domiciliar. Em julho de 1969, fundou o semanário O Pasquim e em dezembro de 1970 foi preso pela terceira vez. “Da análise dos autos, constata-se que o requerente comprovou de modo inequívoco a imprescindível motivação exclusivamente política da perseguição da qual foi vítima, preceituada no art. 2º, caput, da Lei nº 10.559/02, capaz de ensejar os direitos ora pleiteados”, diz o voto do relator. E complementa: “além de demonstrar a perseguição de que foi vítima o requerente e denotar sua trajetória de vida, a documentação juntada ao presente processo conduz a uma reflexão acerca da infiltração e dos mecanismos de atuação da repressão exercida pelo regime ditatorial nos meios de comunicação brasileiros”. Ainda desconcertado com a decisão da Comissão, Ziraldo declarou: “quem critica (os anistiados) quero que morra. É tudo cagão; não botou o dedo nas feridas como a gente botou. Enquanto a gente xingava o Figueiredo, fazendo charge contra todo mundo, eles estavam seguindo a ditadura, tomando cafezinho com o Golbery”.Caso exemplar da truculência dos militares contra os jornalistas é o da anistiada Maria Ignes da Costa Duque Estrada Bastos. Militante do PCB no Rio de Janeiro desde 1964, saiu do partido em 1969 por discordar da orientação dos seus dirigentes. Foi para a Resistência Armada Nacional. Em 1970, trabalhava como redatora da Enciclopédia Britânica, de onde foi demitida por sua atuação política. O ano de 1973 marcou sua prisão no DOI-CODI, onde sofreu todo tipo de tortura. Maria Ignes passou então a responder processo na 2ª Auditoria do Exército. “Nunca saiu de minha memória o dia em que fui retirada de minha casa por homens armados com metralhadoras, na frente de meus filhos. Sofri todo tipo de humilhação”, lembra-se, emocionada, logo após ter recebido o pedido de perdão do Estado. Para Maria Ignes, a Comissão de Anistia “está fazendo justiça por todos nós, que lutamos por um sonho de democracia”. Manchetes capciosasOutro caso que gerou azedume em algumas redações foi o de Ricardo de Moraes Monteiro. Detido em 18 de outubro de 1975, juntamente com Vladimir Herzog, o jornalista ficou preso por dois meses no DOI/CODI e em seguida no DOPS/SP. Depois disso, sofreu uma série de problemas de ordem profissional devido à perseguição. Apesar disso, no dia do julgamento, o jornal O Globo – que em sua capa deu a chamada “Comissão volta a dar hoje Bolsa-Ditadura” – anunciou na página 11, em tom capcioso: “Comissão de Anistia indeniza assessor de Mantega”. Mesmo percebendo a ardileza com que boa parte da mídia trata o assunto, Monteiro diz que é preciso haver liberdade de imprensa para todos os tipos de corrente de pensamento. “Lutamos pela democracia, por isso acho importante termos uma imprensa livre, crítica inclusive em relação ao governo, mesmo que conservadora, porque é uma forma de sabermos como ela pensa”. No entanto, ressalva, a imprensa brasileira está num dilema. “Ela não ouve, de fato, os dois lados”. De acordo com o jornalista, é preciso construir espaços para quem não se vê representado pela grande mídia. “O que a gente observou nesses últimos anos é um descolamento da imprensa mais tradicional e conservadora do pensamento da maioria da população. O povo está em outra, vocalizando seus problemas de uma forma diferente, com uma outra agenda. E essa agenda não se reflete na grande imprensa”, avaliou. Para ele, faltam veículos que dêem vazão aos trabalhadores, aos movimentos sociais, à esquerda e aos setores mais progressistas da sociedade. “Mas acho que isso vai ser construído. O próprio povo brasileiro vai encontrando o caminho para uma imprensa que o represente mais adequadamente”. A próxima sessão de julgamento da Comissão, dentro da Caravana da Anistia, será dia 14 de abril, em São Paulo. Depois, nos dias 25 e 26, serão julgados 120 processos de camponeses que foram perseguidos pelo regime militar na região da Guerrilha do Araguaia. A sessão será realizada na própria região, em cidade a ser definida.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O que significa, na prática, a anistia política?

Paulo Abrão responde

QUEM PEDE PERDÃO É O ESTADO que perseguiu seus cidadãos, que promoveu prisões arbitrárias, torturas, morte.

É bom perceber que está havendo um amadurecimento da compreensão pela própria Comissão da Anistia que a perseguição sofrida pelos perseguidos políticos teve como vilão o Estado Brasileiro e, quem sabe com esse aprofundamento da compreensão vai cair a ficha de que os militares foram os que mais foram perseguidos, pela própria condição de submissão hierárquica e impotência diante da criação de uma vasta legislação de exceção.

Praças da Força Aérea Brasileira

Veja abaixo transcrita a entrevista publicada no site do Ministério da Justiça


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02/09/2009 - Paulo Abrão Pires JúniorPresidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
No dia 22 de agosto de 1979, o Congresso Nacional aprovou a Lei n.º 6.683, que permitiu a liberdade de parte dos presos políticos e o retorno dos brasileiros exilados e banidos. A votação, ocorrida sob fortes manifestações populares em todo o país, completou 30 anos. As mobilizações pela Anistia foram uma força inicial da democratização”, afirma Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
No último dia 22, a data foi comemorada em ato público realizado pela Comissão no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Marcado pela emoção, o evento reuniu cerca de 500 pessoas que, de alguma forma, estiveram envolvidas com o processo de redemocratização do país.
O ato também promoveu o reencontro histórico de 37 ex-presos políticos que estavam encarcerados em agosto de 1979 (foto) – a maioria participou da greve nacional de fome pela anistia, que durou 32 dias e foi encerrada no dia da aprovação da lei. Eles receberam homenagem especial do ministro da Justiça, Tarso Genro;
Em entrevista, Abrão faz um balanço desses trinta anos. Para ele, o Brasil avançou nas políticas de reparação e na reforma das instituições que antes serviram à repressão, mas ainda há contas importantes a pagar. A revelação da verdade ainda é pequena”, aponta o advogado e professor da Faculdade de Direito da PUCRS.
No dia 22 de agosto, a aprovação da Lei de Anistia completou 30 anos. Qual o significado desta data para o país?
Paulo Abrão - O dia 22 tem um profundo significado histórico para o Brasil pois simboliza a data em que a democracia voltou a ser visível no horizonte nacional. Nos anos que antecederam a 1979, milhares de brasileiros começaram a se organizar e pedir publicamente o fim da ditadura em atos, passeatas e manifestações, mesmo com a repressão na ativa. Amplos setores sociais se mobilizaram para as eleições, mesmo sabendo que a ditadura mandava no Congresso, para que se pudesse aprovar uma anistia “ampla, geral e irrestrita”. O projeto popular foi derrotado no Poder Legislativo, mas com a volta dos exilados e o fim da clandestinidade para muitos, não era mais possível evitar a volta da democracia.
Em 1979, houve uma intensa mobilização social pela anistia. De que forma essa campanha impactou o início da redemocratização?
Paulo Abrão - A principal arma de uma ditadura é o medo. Onde há medo, a participação social inexiste, e a cidadania fica reprimida. As mobilizações pela Anistia foram como que uma força inicial da democratização. As pessoas tomaram as ruas para exigir o fim das perseguições políticas, e mesmo sem a aprovação do projeto popular, venceram a ditadura, que começou a recuar. Depois disso a cidadania voltou a respirar, as pessoas perceberam que podiam se manifestar e pedi a volta da democracia, as passeatas pelas diretas foram maiores que as pela Anistia pois a sociedade perdeu o medo de ocupar o espaço público. As ruas, que antes eram “do Estado” passaram a ser “da cidadania” e a voz do povo não podia mais ser calada. O fim do medo e a volta dos agentes políticos à esfera pública foram as grandes contribuições da luta pela anistia para a redemocratização.
Após 30 anos, qual o balanço que o senhor faz da anistia? O Brasil conseguiu curar todas as suas feridas?
Paulo Abrão - Na América do Sul os processos de transição são extremamente longos. Se pegarmos as quatro medidas centrais para uma transição bem sucedida: a revelação da verdade, a reparação das vítimas, a reforma das instituições e o retorno do Estado de Direito, vemos que o Brasil ainda tem muito a avançar, mesmo em relação aos países vizinhos. A Constituição de 1988 trouxe muitos avanços formais, que aos poucos vem se materializando, especialmente no que se refere à efetivação dos direitos fundamentais e à reforma das instituições. A questão da reparação avançou muito, especialmente com os trabalhos da Comissão de Anistia e da Comissão de Mortos e Desaparecidos, mas a revelação da verdade ainda é pequena e a justiça ainda não encontrou meios de devolver aos atingidos pela ditadura a segurança que o Estado de Direito promete. Hoje vivemos com uma impunidade flagrante, pessoas torturadas encontram seus algozes na rua, andando livremente, como se o país não tivesse leis que os atingissem. Enquanto isso ocorrer, não há como se falar em reconciliação e cura.
O que falta para consolidar a democracia?
Paulo Abrão - A democracia é um processo permanente, não existe “a democracia”, existem “democracias” e práticas democráticas, no plural. O avanço da democracia depende de uma série de fatores. Hoje, no Brasil, os cidadãos tem medo das autoridades públicas. Isso é uma herança da ditadura, vivemos num país onde as autoridades se vêem como pessoas superiores, e não como prestadores de serviços públicos. Esse é só um exemplo de como a democracia pode sempre avançar mais. Outro grande exemplo é a visão sobre a segurança pública. O Ministério da Justiça lançou o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) para mudar uma série de práticas na área da segurança pública. A idéia de que a violência será contida com mais violência é típica dos regimes repressivos e, de regra, apenas produz mais mortes e conflitos armados mais severos. Mudar essa lógica para uma visão focada na promoção da justiça e da cidadania, somada à prevenção dos conflitos, é fundamental para o avanço da democracia e a superação dos enclaves autoritários.
Como, hoje, é possível garantir que a ausência de liberdades não se repetirá?
Paulo Abrão - Existe uma frase que responde a essa pergunta quase como um clichê: “Recordar para não repetir”. Apenas uma sociedade que conhece e lembra de seu passado pode construir seu futuro de forma consciente. No Brasil, por um período, tentou-se impor o esquecimento. Esquecer serve apenas para aqueles que se beneficiaram da repressão. Para eles, esquecer é uma forma de garantir o ganho daquilo que obtiveram na ausência de leis, e garantir que possam voltar a ganhar no futuro, desrespeitando as leis e a democracia. As políticas de memória são fundamentais para que a sociedade se mantenha sempre alerta quando surgem propostas autoritárias, por isso países como a Argentina, Chile, África do Sul, França, Reino Unido, Alemanha e tantos outros construíram memoriais para lembrar seus momentos de repressão, para que as gerações futuras saibam o que aconteceu e lutem pela democracia. A Comissão de Anistia tem dois projetos que trabalham nesse sentido: as Caravanas da Anistia e o Memorial da Anistia.
Qual o objetivo desses projetos?
Paulo Abrão - As Caravanas da Anistia são uma idéia simples com resultados espetaculares: levamos os julgamentos dos pedidos de anistia para os locais onde ocorreram os fatos. Diferentemente da Argentina e do Chile, no Brasil não tivemos uma Comissão da Verdade. Levando os julgamentos aos locais dos fatos garantimos, a um só tempo, o resgate da dignidade do perseguido político, que em muitos casos ainda era visto como um criminoso, e a ativação da memória social. Quando os jovens percebem o que foi a ditadura, passam de uma postura apolítica para uma postura de defesa dos valores democráticos. Já realizamos 26 Caravanas em 15 diferentes estados. Em todas, o aprendizado mútuo foi impressionante e a participação de jovens, massiva. O Memorial da Anistia, por sua vez, é um projeto que insere o Brasil na rede de países com museus de apoio aos valores democráticos. O início das obras se deu agora em agosto, em Belo Horizonte, numa parceria com a UFMG, a Prefeitura Municipal e a Caixa Econômica Federal. O Memorial é um instrumento de reparação coletiva; dá voz a todos aqueles que foram calados pela ditadura. Nele estarão os quase 65 mil processos de anistia tramitados na Comissão, contando a história do Brasil por novas perspectivas: será um memorial da história não-oficial, da história da ditadura desde o ponto de vista dos perseguidos políticos.
O Brasil tem aproveitado as experiências de outros países que construíram memoriais?
Paulo Abrão - Estamos em permanente interlocução com instituições de diversos países do mundo, neste mês de agosto, por exemplo, o projeto do Memorial será apresentando numa convenção latino-americana em Bogotá, e em abril os dois projetos da Comissão foram apresentados em Portugal. Para além disso a Comissão tem promovido diversas iniciativas regionais e bi-laterais. Ano passado reunimos pela primeira vez todas as comissões de reparação e verdade do continente, em um grande evento no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Neste ano a comissão foi convidada a participar de um Tribunal Internacional em El Salvador, entre tantas outras iniciativas. Nos últimos dois anos a Comissão já apresentou seu trabalho ou contribuiu em atividades locais na Argentina, Venezuela, El Salvador, Colômbia, Estados Unidos, Portugal, Espanha, França e Reino Unido.
O que significa, na prática, a anistia política?
Paulo Abrão - No Brasil tentou-se fazer da anistia amnésia. Cultivou-se uma idéia estranha, de que aqueles que tomaram o Estado num golpe estariam “perdoando” aqueles que lutaram contra o golpe e por isso foram perseguidos. Hoje nós temos um conceito diferente. A anistia, para que produza reconciliação nacional verdadeira, pressupõe a lembrança e o perdão, mas quem pede perdão é o Estado, que perseguiu seus cidadãos, que promoveu prisões arbitrárias, torturas, morte. Com isso o Estado de Direito se efetiva, pois aqueles que tiveram seus direitos violados voltam a acreditar que o direito vale mais do que a vontade dos que detém o poder. Restaura-se a dignidade do perseguido e do Estado. A anistia é, desta feita, uma via de duas mãos.
Existem críticas com relação ao valor das indenizações pagas aos ex-perseguidos políticos. Qual sua posição?
Paulo Abrão - A Lei n.º 10.559 é extremamente assimétrica. Se de um lado existem indenizações muito altas para aqueles que perderam seus empregos, de outro as reparações para as vítimas de tortura, desaparecimento, prisões arbitrárias e toda a sorte de sacrifícios são muito baixas. Isso ocorre pois o Congresso Nacional fixou dois critérios de reparação. Quem perdeu o emprego em função de atividade política ou sindical deverá receber pensão mensal vitalícia equivalente ao que ganharia se estivesse na ativa, com efeitos retroativos até 1988. De outro lado, quem foi preso ou torturado ganhará 30 salários mínimos para cada ano que foi perseguido, em uma parcela única, com limite de R$ 100 mil. Assim, uma pessoa demitida pode ganhar uma prestação mensal e mais um retroativo altíssimo, e uma pessoa torturada ganhar 30 salários mínimos. A Comissão tem procurado resolver essa assimetria através da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mas uma mudança mais efetiva nos critérios depende do Poder Legislativo.
A Comissão de Anistia, desde 2007, vem reduzindo os valores das indenizações. Por quê?
Paulo Abrão - Para aqueles que não tinham vínculos laborais a lei não oferece opção, a única forma de reparação é a prestação única até R$ 100 mil, independente de quanto tenham sofrido. Neste caso a Comissão nada pode fazer para reduzir injustiças. Já no caso da prestação mensal, a lei oferece dois critérios: a progressão ao topo da carreira e a média de mercado. Desde o governo FHC vinha-se aplicando a progressão ao topo da carreira. Isso gerava distorções enormes. Num exemplo simples: duas pessoas presas juntas por dois anos, que sofreram as mesmas privações, uma era estudante de medicina do último ano, outra recém formada trabalhando em um hospital. Para a primeira a reparação será uma parcela única de 60 salários mínimos, para a segunda uma reparação mensal até o final da vida no valor do salário de um médico, mas retroativos até 1988. Antigamente supunha-se que a segunda pessoa poderia ter chegado ao topo da carreira de médico, ganhando R$ 20 mil mensais, e assim era deferida a reparação, somada de um retroativo que passava dos milhões. Hoje nós buscamos a média remuneratória de um médico, que na maioria das regiões não é muito superior a R$ 3 mil ou R$ 4 mil. Esse exemplo demonstra tanto o modo como trabalhamos para reduzir as assimetrias, quanto os limites para o que podemos fazer sem alterar aquilo que a lei determina.
Existe uma polêmica se a Lei de Anistia de 1979 deve ser estendida ao crime de tortura e a Comissão se posicionou favoravelmente. Por que os torturadores devem ser punidos?
Paulo Abrão - Essa pergunta deve ser invertida: por que os torturados não devem ser punidos? Devemos sempre lembrar que a ditadura afastou o Estado de Direito, que sempre negou a prática de tortura, que a anistia a esses crimes não está escrita na lei de 1979 e, ainda, que o Brasil assumiu internacionalmente o compromisso de punir esse tipo de conduta. Defender que os torturadores não devem ser punidos é fazer uma defesa política do regime de exceção, é defender a tese que a ditadura era necessária. Juridicamente não há dúvida de que a tortura é crime, mesmo nas leis da ditadura militar. Não havia qualquer previsão para essa prática, e, se houvesse, seria absolutamente ilegal. Se acreditamos que as relações humanas devem ser reguladas pelo Direito, conforme consta em nossa constituição, não podemos aceitar que um ato de força justifique o afastamento da lei. O argumento para não punir os torturadores é tão frágil que, para se sustentar, chega a afirmar a existência de crimes como o “estupro político”. Não há, na história do direito, um único tribunal que tenha considerado o estupro de uma pessoa detida como um crime político. Os tribunais do Chile e da Argentina já declararam que as anistias não podem beneficiar os membros dos regimes de exceção, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, da qual o Brasil faz parte, já anulou efeitos de leis de impunidade no Chile, Paraguai, Peru, Colômbia, Guatemala e Equador. O Brasil segue sozinho na lista dos países onde graça a impunidade.